A atualização da lei de recuperação de empresas e falências

A atualização da lei de recuperação de empresas e falências

Há quase vinte anos, por ocasião de escândalos corporativos nos Estados Unidos e dos debates que culminaram na criação da legislação Sarbanes-Oxley, ainda era possível se ouvir em algumas rodas de conversa que o tema da governança corporativa não passava de um modismo. Hoje ninguém mais duvida de que uma boa governança é vital para o sucesso de qualquer empreendimento empresarial.
Com o passar do tempo também ficou claro que sem o respeito aos diversos stakeholders, sem um firme compromisso social, a começar pelos empregados e pelos consumidores, não há como uma empresa prosperar no longo prazo.

Já o tema do respeito ao meio ambiente, embora discutido há algum tempo, era o mais complexo para se tornar um item obrigatório na agenda dos investidores.

Portanto, pensando bem, o conceito de ESG -Environmental, Social and Governance não tem novidade, a não ser pela síntese que a sigla consegue fazer sobre esses três aspectos que devem estar presentes na análise de riscos de qualquer investimento.

Não se trata de modismo, nem tampouco de um tributo que se paga para figurar na galeria dos politicamente corretos. Também não é mera demonstração de preocupação social. Na verdade, a preocupação ambiental está se tornando algo intrínseco a um bom negócio, ao menos a um bom negócio duradouro.

Ainda que os planos de contribuição definida pressionem os gestores de entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) para o curtoprazismo, será preciso cada dia mais mostrar que os resultados financeiros sólidos, e acima da média, exigem paciência, diversificação e visão de dia seguinte.
Na essência, cabe aqui uma das máximas de Warren Buffett: “quando alguém me oferece um investimento prometendo retorno rápido, eu rapidamente digo não”.

Analisar riscos ambientais, de governança e sociais é agir com propósito, um propósito pragmático.
Com as reiteradas agressões ao meio ambiente, o que temos visto é a desestabilização de ecossistemas, o aquecimento global, enchentes e secas, e a possibilidade de rebeliões de vírus, germes e bactérias, com danos incalculáveis para os negócios.

Não é por acaso que Larry Fink, CEO e Chairman da BlackRock, a maior gestora de recursos do mundo, com mais de U$ 7 trilhões em ativos, alertou em sua famosa carta anual de 2020, antes mesmo da pandemia, que nos próximos anos teremos “uma mudança estrutural nas finanças”, destacando que “o risco climático é risco de investimento”.

Tal afirmação não foi feita por um ativista ecológico, mas por alguém que tem o dever fiduciário de investir recursos de terceiros e buscar o lucro com zelo e responsabilidade.
Vale lembrar que a própria Resolução CMN 4.661, de 2018, já prevê que “a EFPC deve considerar na análise de riscos, sempre que possível, os aspectos relacionados à sustentabilidade econômica, ambiental, social e de governança dos investimentos” (art. 10, par. 4º). Após o Covid19, o “sempre que possível” da Resolução CMN 4.661 deverá ser lido como “sempre possível”.

Nessa nova realidade, um dos desafios é desenvolver uma métrica, um índice que possa razoavelmente parametrizar quesitos e resultados, orientando os analistas de risco sob o guarda-chuva do ESG (Harvard Business Review – September/2020 – The board’s role in sustainability – A new framework for getting directors behind ESG efforts).

A defesa do meio ambiente deixou de ser “coisa de ONG” ou de “ecochato”, rótulos preconceituosos do passado, e entrou na agenda do capitalismo. Embora ainda haja algumas incompreensões, fruto de conflito intergeracional e de posições ideologizadas, as evidências vão se impor.
Empresas que atuam em mercados mais competitivos dificilmente sobreviverão se provocarem tragédias como as de Mariana e Brumadinho. Uma empresa do agronegócio que despreze a importância da água será vista como um risco insuportável.

Afirmar que a Terra é redonda não é questão de opinião. É um fato já provado pela ciência, a qual, apesar de surtos negacionistas, sairá mais forte da atual crise do coronavírus. Na mesma linha, avaliar um investimento pela ótica de possíveis danos ambientais não é mais uma questão de preferência pessoal de “investidores conscientes”. Passou a ser um item obrigatório em qualquer análise de risco de investimento, sobretudo de um investidor institucional.

Alexandre von Humboldt, o célebre geógrafo e viajante alemão que foi em vida mais famoso que Napoleão, foi o primeiro a observar que a Terra é um todo orgânico e interdependente, advertindo-nos que as agressões à Natureza trariam sérios distúrbios para todos os seres vivos.
Depois de mais duzentos anos de tal advertência, depois de muitos encontros e desencontros, depois de uma grande crise pandêmica, parece que o capitalismo, ao menos o capitalismo que lidera o mundo, finalmente vai se casar com a natureza.

*Adacir Reis é advogado e presidente do Instituto San Tiago Dantas de Direito e Economia. Autor do livro Curso Básico de Previdência Complementar (Editora RT). Foi membro da Comissão de Juristas do Senado Federal para a Reforma da Lei de Arbitragem e Mediação.
Artigo originalmente publicado na Revista INVESTIDOR INSTITUCIONAL, edição 330, de outubro/2020.